O uso de tecnologias, os avanços da fiscalização e a privacidade no ambiente corporativo foram temas abordados na 10ª Jornada Ibero-americana de Inspeção do Trabalho
Por Cláudia Machado
Edição: Nilza Murari
A décima edição da Jornada Ibero-americana de Inspeção do Trabalho, realizada dentro da programação do 36º Enafit, discutiu a realidade da fiscalização nos países vizinhos sob diversos aspectos. A Jornada foi coordenada por Sérgio Voltolini, presidente da Confederação Ibero-americana de Inspetores do Trabalho – CIIT, que agradeceu a oportunidade que o SINAIT dá à Confederação de realizar o evento anualmente, propiciando a troca de experiências entre os países.
Embora continuamente os países que participam da Jornada apresentem dados alarmantes de informalidade, baixo número de inspetores e pouca capacitação a estes, a décima edição do evento trouxe uma novidade positiva em relação ao Peru. Entre 2013 e 2018 o país conseguiu ampliar consideravelmente seu número de Inspetores do Trabalho, passando de 306 para 655. Considerando a população de 32 milhões de habitantes, o Peru possui um inspetor para cada grupo de 48 mil pessoas. No Brasil, esse número é de um Auditor-Fiscal para 89 mil pessoas. Os dados foram apresentados por Carlos Rimachi Farfán, Inspetor do Trabalho que é dirigente sindical no seu país.
O avanço da Inspeção do Trabalho no Peru coincide com a criação da Superintendência Nacional de Inspeção do Trabalho – Sunafil, entidade pública vinculada ao Ministério do Trabalho e Promoção do Emprego, fundada em 2013. De acordo com Rimachi Farfán, foram muitas as conquistas desde a fundação da Sunafil, como o resgate de menores no trabalho infantil e o aumento da abrangência de unidades nas províncias. Enquanto em 2013 havia duas intendências regionais, hoje são 16. Os novos desafios são garantir capacitação aos inspetores, coibir a alta informalidade e aumentar o orçamento da fiscalização. A vice-presidente do SINAIT, Rosa Jorge, lembrou que os avanços alcançados pelo Peru são fruto da forte atuação sindical no país.
Ferramentas tecnológicas
Agustina Sanguinetti, economista do Uruguai, apresentou ações importantes de combate à informalidade no país, que há 15 anos vem fazendo reformas no sentido de minimizar este mal. Um exemplo de medida para formalizar a economia é a modernização dos sistemas de arrecadação, com uso extensivo de dados, análises estatística e quantitativa, modelos explicativos e de previsão, para a tomada de decisão com base em fatos. “O segmento ao qual a empresa pertence é um fato em si. Serve como um atributo resumido de muitas características da empresa. As melhores práticas em modelagem e a geração de modelos construídos a partir dos segmentos permitem que sejam ajustados em um universo mais homogêneo de contribuintes, o que possibilita captar melhor as singularidades”, disse. O uso de tecnologias aplicadas à fiscalização trouxe como resultado o aumento entre três e quatro vezes na capacidade de detecção de não-inscrição e sub-declaração, em relação ao período em que o modelo não era utilizado.
O advogado Federico Rosenbaum, também do Uruguai, falou sobre os conflitos gerados entre os direitos fundamentais do trabalhador e os poderes dos empresários, em especial com relação ao uso de tecnologias que permitem a invasão da privacidade do trabalhador, como uso de câmeras de vigilância sem conhecimento do trabalhador e visualização de contas de e-mail corporativas. “É o confronto entre a introdução de mecanismos inovadores de organização empresarial e os direitos fundamentais dos trabalhadores. O impacto das novas tecnologias e da tecnologia da informação nas relações de trabalho deve ser adaptado de modo a não violar direitos fundamentais”.
Rosenbaum citou diversos exemplos de trabalhadores que recorreram a tribunais internacionais contra empresas para que tivessem seus direitos preservados, entre eles, o de um trabalhador que foi dispensado por usar e-mail corporativo para fins pessoais. Neste caso, o trabalhador alegou a nulidade da demissão por violar o direito à privacidade de sua correspondência e várias instâncias negaram seu pedido. Em outro processo, professores da Universidade de Montenegro pediram indenização pelo uso de sistema de vídeo-vigilância nas salas de aula. Mais uma vez, o pedido foi negado, sob alegação de que é não possível que o sistema instalado em locais públicos tenha violado o direito dos professores à privacidade.
A vida privada é um termo amplo que não pode ser exaustivamente definido. “Seria restritivo demais limitar a noção a um círculo interno no qual o indivíduo pode viver sua vida pessoal à medida que escolhe e exclui completamente o mundo exterior a ela”, alertou Rosenbaum.
A Convenção Europeia de Direitos Humanos – CEDH definiu amplamente o conceito de vida privada do trabalhador, para abranger situações como vida social privada e áreas de interação de uma pessoa com outras, mesmo em um contexto público. O direito à proteção da vida privada em face de interferências arbitrárias ou abusivas também foi incluído em outros instrumentos internacionais, como a Declaração Universal dos Direitos Humanos – artigo 12, o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos – artigo 17, a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, Pacto de San José da Costa Rica – artigo 11, entre outros. De acordo com o palestrante, neste sentido é razoável considerar que os postulados e conceitos teóricos fornecidos pela CEDH, que são característicos de uma ordem e jurisdição supranacionais, podem constituir uma referência útil para a justiça de outros países e regiões.